Christiana Beyrodt Cardoso | Founder and COO at DSD2B
Especialmente diante da atual época de Pandemia de COVID-19, o advogado deve observar que seu papel vai muito além da tradicional função perante um juiz ou tribunal. Sua função de interveniente e incentivador de meios adequados de solução de conflitos deve ser ainda mais prestigiada.
Dispõe o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que é dever do advogado estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios (art. 2º. Parágrafo único. VI).
A mediação é um método autocompositivo de resolução de conflitos, ideal para relações duradouras, conta necessariamente com a atuação de um terceiro, o mediador, profissional com capacitação própria, imparcial e independente, que “sem poder decisório auxilia as partes e as estimula através de um diálogo construtivo a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.[1]
É importante que os advogados estejam preparados para advogar na mediação online, que exige habilidades específicas e preparo, dentre eles estar seguro: i) para o uso de novas tecnologias, plataformas de vídeo conferência, compartilhamento de documentos, assinatura digital; ii) habilidades de negociação com foco em interesses; iii) conhecimento de desenho de solução de disputas e da adequação de métodos disponíveis de resolução de conflitos, além de conhecimento de seus princípios básicos.
A seguir, passo a enumerar 7 dicas essenciais para advocacia na mediação online:
1) CONHEÇA DESENHO DE SOLUÇÃO DE DISPUTAS (DSD)
Hoje se reconhece que o acesso à justiça deve ser entendido como acesso à ordem jurídica justa[2]. Portanto, além do recurso ao Judiciário há diversos métodos eficientes de resolução de conflitos, também conhecidos como ADRs – Alternative Dispute Resolution e ODRs – Online Dispute Resolution, que estão à disposição da sociedade para garantir acesso à justiça e para trazer melhores resultados em termos de tempo e custos.
Importante notar que em tempo de pandemia, houve a publicação de diversas normas incentivando a utilização de métodos consensuais que precisam de atenção por parte dos advogados, dentre elas vale destacar a lei 13.994/2020 que modifica a lei 9099/95 para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Importante observar o art. 23, que agora estabelece que “se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença”.
Assim, atentar para os métodos adequados de resolução de conflitos disponíveis, as oportunidades para bem utilizá-los e conhecer Desenho de Solução de Disputas (DSD) é fundamental.
O Desenho de Solução de Disputas (DSD) consiste na organização técnica e planejada de procedimentos e recursos para a elaboração de sistemas de prevenção, gerenciamento e resolução de disputas de acordo com a necessidade do cliente, sejam empresas ou pessoas.
Observar dentre os métodos multiportas disponíveis a seleção dos mais adequados aos conflitos existentes, além das orientações para bem utilizá-los, para que a experiência no uso destes seja boa, implementando-os de forma mais econômica, rápida e eficiente.
Assim, antes de utilizar a Mediação online o advogado deve observar se o método é adequado ao tipo de conflito. Normalmente a mediação é perfeita para relações continuadas.
Importante saber que existe a mediação judicial e a extrajudicial privada à disposição da sociedade, bem como que muitas vezes mesmo que intimado e convidado para a mediação judicial pode ser vantajoso para as partes investir na mediação extrajudicial privada, para que possam escolher câmara mais especializada, mediador mais capacitado, com certificação até mesmo internacional e de qualidade, adotando procedimento que atenda a flexibilidade e o tempo das partes, para que seja mais efetiva e proveitosa a mediação.
É dever dos advogados trabalhar para tornar o uso do Poder Judiciário mais sustentável, utilizando-se deste apenas quando necessário e a mediação extrajudicial privada auxilia no atendimento ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 da ONU, de paz, justiça e instituições eficazes.
2) CONHEÇA A MEDIAÇÃO ONLINE
A mediação tem fundamento legal na lei 13.140/2015, além do Código de Processo Civil e Resolução 125/2010 do CNJ.
É possível a mediação tanto para direitos disponíveis quanto para direitos indisponíveis que admitam transação[3] .
Assim, é possível mediação no Direito do Trabalho, com a Administração Pública, no Direito Ambiental, no setor de energia, de agronegócios, no Direito Tributário, dentre outros campos do direito. Possível também a mediação no direito do consumidor, sobretudo quando existam relações duradouras como nos setores de educação e seguros, por exemplo.
A mediação no ambiente online também possui expressa fundamentação legal, nos termos artigo 46[4] da lei 13.140/2015 e art. 334 , parágrafo 7º. do Código de Processo Civil[5] .
O Acordo de mediação tem força legal, deve ser redigido pelos advogados das partes e terá força de título executivo extrajudicial( art. 784 do CPC) ou judicial (art. 515, II do CPC) se levado a homologação.
A Mediação é tão boa quanto os mediadores escolhidos, saiba escolher bem o mediador, observando sua capacitação técnica, as certificações que possui, este deve contar com a confiança das partes, ser imparcial e independente, revelar as relações existentes com as partes, zelar pelos princípios da mediação estabelecidos em lei, para a segurança jurídica do resultado da mediação.
3) RECONHEÇA O PAPEL FUNDAMENTAL DO ADVOGADO NA MEDIAÇÃO ONLINE
O advogado é essencial à administração da justiça, pode e deve participar da mediação online e exerce importante papel na mediação, antes, durante e depois do procedimento.
O Advogado é imprescindível no assessoramento de seu cliente na parte legal. Auxilia a encontrar soluções criativas com respaldo jurídico, baseado em critérios objetivos, que atendam os interesses envolvidos, bem como para garantir que sejam observados os princípios da mediação e um acordo exequível.
Na Mediação não há delegação de decisão a um terceiro, não há jurisdição.
O mediador não pode julgar, pois assim dispôs a lei. São as próprias partes que decidem ir à mediação, permanecer nela e se haverá ou não acordo.
As partes e advogados vão para a mediação negociar uma melhor alternativa para a solução do conflito que atenda os reais interesses e para isto é necessário preparação.
Importante que partes e advogados estejam em grande sintonia, com divisão de papéis, postura colaborativa, antes de irem para a mediação.
Advogado tem importante atuação na mediação. Deve ser assertivo na defesa de interesses de seu cliente, pode e deve incentivar o protagonismo das partes, observado que estas contam com a confidencialidade, mas sem deixar de advogar pelos interesses de seu cliente e dar o respaldo jurídico para embasar opções, alternativas e propostas.
Por sua importância na mediação o advogado deve ser adequadamente remunerado pela mediação, assim como o mediador.
O advogado deve estabelecer e deixar contratado os honorários advocatícios previamente com seu cliente, observado que o art. 48, § 5o do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece garantia para a não diminuição dos valores de honorários em virtude da resolução de um conflito por um meio adequado de solução extrajudicial.
A base de atuação do advogado é a de resolver conflitos e isto deve estar refletido no contrato de honorários.
4) ATENÇÃO PARA O PROCEDIMENTO DE MEDIAÇÃO ONLINE
O Advogado deve ficar atento para observância dos princípios da mediação, de imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade, boa-fé e voluntariedade[6]
Observar a representatividade das partes que vão subscrever o acordo de mediação, a exequibilidade e qualidade da redação de termo de acordo, que pode ser submetido para uma homologação.
Merece cuidado a garantia da confidencialidade do procedimento, assegurando-se de que há a subscrição de termo próprio, bem como ciência de todos de que as sessões não podem ser gravadas.
Cuidar antes da escolha de câmaras de mediação, ou plataformas, que suas regras de procedimento e custos são compatíveis com as expectativas e possibilidades das partes.
Observar e cuidar das ferramentas que serão utilizadas na mediação, tais como canais de vídeo conferência, de compartilhamento de documentos, assinatura digital, agendamento de reuniões, tudo para que estes sejam seguros, observem as regras de confidencialidade e conformidade com regras de proteção de dados, bem como para que exista a declaração de todas as partes para a permissão e segurança no uso destas ferramentas.
Deve haver garantia de que as partes registraram seu consentimento em participar da mediação no ambiente online, subscrevendo um compromisso de mediação próprio e de que há isonomia na utilização do procedimento.
Importante saber a que mediação online usualmente conta com as seguintes etapas :
1) uma premediação onde as partes recebem esclarecimentos sobre o procedimento, princípios e combinados e onde se confirma a vontade das partes em participar. Pode ser feito em conjunto ou em separado;
2) Abertura, onde as partes e mediadores se apresentam e são reforçados os combinados e princípios da mediação;
3) Mapeamento do conflito, agenda e exploração de interesses; 4) Negociação e
5) Encerramento, com acordo parcial ou total, ou ainda sem este. Importante conhecer todas as etapas e se prepara para elas.
5) PREPARE SEU CLIENTE PARA A MEDIAÇÃO ONLINE;
Antes da sessão de mediação o advogado deve estudar e mapear o conflito, tanto quanto um eventual processo. Ver a melhor estratégia para a apresentação do direito e quais as chances de sucesso no judiciário. Em seguida mapear o conflito com base nos interesses do cliente.
Explique para o cliente o procedimento de mediação, suas vantagens e a função de cada participante na mediação online .
Oriente o cliente para que no procedimento de mediação online procure separar as pessoas do problema, se concentrar nos interesses (para que pede) e não em posições (o pedido), bem como que procure identificar opções de ganhos mútuos, superando julgamentos prematuros.
Esclareça que deve observar as orientações de condução da sessão da mediação online feitas pelo mediador e os princípios que a regem.
As partes e advogados podem ajudar a estabelecer as regras adequadas para o procedimento, pois este é flexível, mas vale assegurar que todas as informações necessárias para a realização do procedimento ficaram claras para seu cliente.
Durante o procedimento aja de maneira a permitir que seu cliente se expresse, mas garantindo sempre que esteja protegido frente a todos os aspectos jurídicos envolvidos.
Evitem respostas únicas, a pressuposição de um valor fixo e de que o problema é do outro.
Pergunte e se manifeste sempre que necessário, de modo a garantir que seu cliente tome decisões de maneira consciente e informada. Insista em critérios objetivos e identifique os melhores e piores cenários caso não alcancem um acordo.
Quanto a confidencialidade, o advogado deve estabelecer com o cliente o que deve ou não ser revelado durante a mediação e quando pode ser melhor fazer uma reunião privada com o mediador, bem como o que é mais interessante revelar somente ao mediador.
Esclareça para o cliente que sempre que necessário podem ser solicitados intervalos, reuniões privadas para esclarecimentos, ou reuniões individuais com o mediador (também chamado cáucus).
Treine com o cliente o acesso e uso das ferramentas online antes da sessão, para que todos estejam confortáveis e familiarizados com o ambiente online.
Prepare seu cliente para a negociação na mediação. Segundo William Ury “O Segredo da negociação eficaz: preparação, preparação, preparação!”[7]
Assim, as partes e advogados antes da primeira sessão normalmente preparam os seguintes combinados :
· Divisão de responsabilidades durante a mediação em conformidade com o papel de cada um;
· Procurar utilizar muito bem o trabalho do Mediador e suas técnicas (combinar que podem pedir pausa técnica ou reuniões individuais);
· Cuidar para o estabelecimento de uma boa agenda que enquadre todo o conflito e atenda os reais interesses;
· Adotar estratégias de negociação para lidar com pessoas difíceis, principalmente se a parte contrária não colaborar;
· Estudar a melhor alternativa a um acordo negociado (BATNA) e combinar o que é importante manter confidencial;
· Desenhar em conjunto um plano de mediação, focado em extrair reais interesses e desenhar opções criativas antes da sessão;
6) PREPARE UM PLANO DE MEDIAÇÃO
Faça um plano mediação para atuação no procedimento online. Mapeie o pedido das partes, seus interesses particulares, interesses comuns, possíveis opções de soluções criativas que atendam interesses comuns, pontos fortes, pontos fracos, respaldo legal, desenhe com o cliente a melhor alternativa a um acordo negociável.
Um bom plano de mediação auxilia no preparo para a sessão, para focar em reais interesses, separar as pessoas dos problemas, utilizar critérios objetivos para negociar, além de aumentar a criatividade, gerando várias opções, tudo para a conquista de um consenso e sucesso na mediação.
Importante que se busque um plano e uma estratégia de negociação em que ambas as partes tenham satisfação com o resultado da negociação, construa uma ponte dourada [8] para o outro, com possíveis saídas honrosas e discurso de vitória, para que se conquiste uma solução duradoura, bem como para se restabeleça confiança entre as partes para o acordo.
Conte com o trabalho do mediador para a facilitação do diálogo.
Para um advogado traçar um bom plano de mediação é necessário :
1) Foco em interesses: Descubra os reais interesses do cliente e da outra parte;
2) Criação de opções de ganhos mútuos: Não vá para a mesa com apenas uma opção, lembre-se que recursos financeiros são finitos, mas conhecimento e parcerias não. Seja criativo ao pensar em soluções de ganhos mútuos ( brainstorming de múltiplas opções);
3) Critérios objetivos : que norteiem e baseiem as opções (ex: valor de mercado ou modo como a questão vem sendo resolvida pela jurisprudência);
4) Critérios subjetivos: Tenha em mente e coloque no plano a melhor alternativa a um acordo negociado, sua melhor saída caso exista um impasse na negociação. Ou seja, o plano B alternativo. Além disto procure observar e identificar a melhor alternativa ao acordo negociado da parte contrária;
5) Propostas sólidas: com comprometimento e que melhor atendam a melhor alternativa ao acordo negociado.
Um bom plano de mediação normalmente deve conter:
· Esboço de agenda sobre os conflitos a serem tratados;
· Os riscos financeiros com a disputa (análise econômica do direito). Analisar conjuntamente, também, os riscos de tempo, emocionais e de reputação;
· Separar posições (Aquilo que declarar que quer);
· Arrolar interesses. (O que realmente cada um quer)
· A melhor alternativa ao acordo negociado ( MAAN / BATNA);
· A zona de possível acordo (ZOPA), procurando conhecer os reais interesses de ambos os lados com opções criativas
7) CONTE COM O MEDIADOR E COM OS BENEFÍCIOS DA MEDIAÇÃO ONLINE
· O Mediador imparcial e independente, auxilia na garantia da isonomia, para que ambas as partes sejam efetivamente ouvidas. Faz com que estas tragam para a mesa soluções criativas de ganhos mútuos, com foco em interesses e um diálogo construtivo com visão positiva e de futuro.
· O advogado e partes devem contar com o mediador nas sessões privadas para revelar o que for necessário para aflorar novas saídas criativas que atendam interesse mútuos.
· A mediação por ser um procedimento de riscos calculados, no controle das partes, estas têm mais chance de resultados positivos e de ser cumprido com eficiência o acordo resultante;
· O procedimento de mediação gera economia de custo e tempo, restabelece confiança em relações até então desgastadas, o que traz satisfação e fideliza clientes para os advogados;
· A mediação online, possui segurança jurídica e é procedimento que pode ser aplicado a qualquer tempo ou grau de jurisdição, preserva as partes do necessário e atual distanciamento social em tempo de pandemia;
· Não passa pelo desgaste do litígio;
· Gera soluções criativas e duradouras;
· Traz perspectiva de futuro, pois auxilia as partes a encontrar soluções de benefícios mútuos, inclusive novos negócios, ou seja, pode auxiliar e muito na retomada da economia;
· Como é confidencial, terceiros não sabem o que foi acordado, preservando imagem no mercado.
· Sendo online pode ser resolvida em qualquer lugar de acordo com o conforto das partes e garante o distanciamento social.
São estas as 7 dicas para advocacia na mediação online que podem contribuir muito para a efetividade e maior proveito da mediação online, método que pode auxiliar na superação de conflitos neste difícil momento de pandemia e na retomada da economia.
Christiana Beyrodt Cardoso .
Advogada especializada na área de resolução de conflitos empresariais e Arbitragem, com especializações em Processo Civil pela FADISP, em Direito Tributário pela PUC/SP COGEAE. Mediadora certificada pelo ICFML, Fundadora e Coordenadora do Grupo Café com Mediação, COO da DSD2B, empresa que se dedica ao Desenho de Resolução de Disputas para empresas e treinamentos para atuação em métodos adequados de resolução de conflitos.
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[1]Art. 1. parágrafo único da Lei 13.140/2015
[2]WATANABE, Kazuo, Acesso à Ordem Jurídica Justa, Editora Del Rey, 2019.
[3]Art. 3º Pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.
[4]Art. 46. A mediação poderá ser feita pela internet ou por outro meio de comunicação que permita a transação à distância, desde que as partes estejam de acordo.
[5]Art. 334 § 7º CPC . A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei.
[6]Art. 2º Lei 13.140/2015 . A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I – imparcialidade do mediador;II – isonomia entre as partes; III – oralidade; IV – informalidade; V – autonomia da vontade das partes; VI – busca do consenso; VII – confidencialidade;VIII – boa-fé.Voluntariedade – § 2º Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação.
[7](URY, William , Negocie para Vencer, Editora HSM, 2013)
[8]Ob cit. URY, William
